quinta-feira, 2 de outubro de 2008


Educação e Discriminação

A Constituição brasileira, em seu artigo 205 assim diz: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família”. Baseado nesse direito, e considerando legítimo o debate sobre cotas raciais na universidade pública, pretendo aqui discorrer sobre este relevante tema, na qualidade de cidadão afrodescendente, com o único intuito de contribuir para o enriquecimento do debate.

Tomemos como ponto de referência um cidadão, pai de família, com renda de até três salários mínimos e outro, com renda acima de vinte salários mínimos. De posse desses dados referente à renda desses dois cidadãos, podemos, sem muita dificuldade, traçar o perfil social de cada um deles. Então mãos à obra:

Um cidadão com renda de até três salários mínimos, provavelmente mora na periferia ou aglomerados “suburbanos”, que costumamos chamar de “favelas” ou “comunidades”, pois nessa faixa de renda, pouco ou nada se fez em relação à política habitacional.

Isso fez com que essas famílias construíssem suas moradias de forma irregular e próximas às áreas de maior demanda de mão-de-obra, uma vez que, morando longe dessas áreas, seriam completamente abandonadas pelo Estado, se levarmos em conta a precariedade e ineficiência do sistema de transporte, criando assim mais um obstáculo para esta classe de trabalhadores.

Por analogia, podemos afirmar que o cidadão pai de família, situado nesta faixa de renda matriculará seu filho em uma escola pública, ainda que a considere ineficiente, só saindo dali para prestar exames para o ingresso à universidade pública. Provavelmente este cidadão seja um afrodescendente e caso não consiga ingressar seu filho numa universidade pública, não conseguirá ingressá-lo em uma universidade privada.

Ainda que consiga pagar uma faculdade particular, provavelmente será uma de nível muito aquém do que exige o mercado de trabalho, que busca na universidade pública os melhores profissionais recém-formados e em seguida nas melhores universidades do país.

Tomemos agora um cidadão, também pai de família, com renda acima de vinte salários mínimos. Nesta faixa de renda será pouco provável que esse cidadão coloque seu filho em uma escola pública. Tomará essa atitude não por entender que deve deixar a escola pública para os que mais necessitam, mas sim por não achar que a escola pública, até o nível médio, seja eficiente, salvos algumas ilhas de excelência como as escolas públicas federais.

Nessas escolas, os alunos de classe média são maioria absoluta, pois não passaram pela ineficácia do ensino fundamental público podendo, dessa forma, tirar boas notas nos exames classificatórios para o ingresso a essas instituições.

Fica claro nesse ponto, a total falência do ensino público em sua fase fundamental. Não bastasse isso, e por residirem nos melhores bairros da cidade, esses alunos têm mais acesso à cultura e às melhores bibliotecas da cidade, aumentando ainda mais a distância entre essas duas classes sociais. Obviamente a grande maioria dos cidadãos situados nessa faixa de renda são brancos “ou quase brancos”, como diria Caetano e Gil, na belíssima composição “ O Haiti é aqui”. Refiro-me aqui, a insignificante classe média negra brasileira.

Diante dos dados aqui apresentados, podemos concluir com certa tranqüilidade alguns pontos importantes:

Que o ensino público fundamental e médio constitui-se num verdadeiro fracasso nacional.

Que só terão acesso à universidade pública os brancos de classe média, salvo raras exceções.

Que a universidade privada é tão medíocre quanto o ensino público de nível fundamental e médio.

Que, por analogia, o aluno que cursou o ensino fundamental e médio numa escola pública, concluindo seus estudos numa universidade privada, dificilmente terá acesso a bons cargos no serviço público.

Que os afrodescentes não conseguirão constituir-se em uma classe média pela via educacional.

Que maioria da minúscula classe média negra brasileira foi constituída graças a sua habilidade nos esportes e nas artes.

Imagine agora um cenário hipotético, mas plenamente factível, partindo de um princípio racional e justo:

"É direito inalienável o acesso a universidade pública gratuita, primeiramente àquele que concluiu integralmente o ensino fundamental e médio na escola pública, estabelecendo-se cotas para aqueles que eventualmente ou nunca utilizaram a escola pública gratuita".


Partindo dessa hipótese, que cenário poderíamos vislumbrar sobre o nosso sistema educacional. Então, mais uma vez, mãos à obra:

O cidadão, pai de família, com renda de até três salários mínimos, ao matricular seu filho em uma escola pública gratuita, poderia vislumbrar um futuro melhor para seu filho, pois teria a certeza que seu filho ingressaria com menos dificuldade em uma universidade pública, mesmo que tenha tido um ensino deficiente nos ciclos fundamental e médio.

Com o diploma de uma universidade pública em mãos, seu filho competiria em pé de igualdade com um filho oriundo da classe média, assegurando assim um bom cargo em qualquer empresa pública ou privada, sendo ele branco ou afrodescendente. Esse filho de cidadão de baixa renda, já bem empregado, poderá constituir uma família de classe média, melhor: a tão sonhada classe média negra, que resgataria em parte a dívida do Estado para com os afrodescendentes.

Essa nova classe trabalhadora emergente, oriunda das camadas mais baixas da sociedade, poderia, na qualidade de servidor público, criar políticas públicas eficientes e factíveis para os cidadãos daquela classe, pois estava inserido nela.

O cidadão, pai de família, com renda superior a vinte salários mínimos, tendo dificuldades de ingressar seu filho na universidade pública, organizará passeatas e diversas manifestações públicas exigindo melhor qualidade do ensino público fundamental e médio, além de uma rigorosa fiscalização, por parte do governo, nas universidades privadas.

Por Abel de Jesus Arouca Requião.

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“Se um cidadão negro, vítima de ato racista, procurar um advogado para defendê-lo, este provavelmente seja um cidadão branco, não necessariamente racista”.

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“Se, ao parar o carro num sinal fechado, um menino negro limpar o pára-brisas do seu carro, talvez ele o esteja fazendo não para ganhar algumas moedas e sim para desembaçar a sua visão a respeito disso”.

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“A negritude do ser, pejorativamente falando, não está em sua pele, e sim, na insensatez da sua visão humana”.

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“Brancos racistas esquecem-se que o são, quando negras fogosas lhes abrem as pernas”.

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“Do tempo do regime escravista aos dias de hoje, pouca coisa mudou em relação aos negros no Brasil. Infelizmente a mudança mais visível foi a terceirização da senzala”.